“Não vim para escolher, mas quero ser a escolhida”: amor, sexo e sedução em perspectiva


 PARTE I

 Antonio Iramar Miranda Barros¹

“Não fosse o amor, a vida não vingaria, porém nós o ignoramos a ponto de menosprezá-lo”².

Mas como se manifestaria esse amor? Como encontrá-lo, vivenciá-lo, compreendê-lo? No cotidiano, falar sobre tal sentimento ou sensação, tornou-se rotineiro e comum, conceitualmente, perdendo o sentido. A frase “Eu te amo”, proferida sem responsabilidade e no impulso do entusiasmo, banalizou um sentimento considerado dos mais nobres, trabalhado e defendido já na Grécia antiga, perpassando épocas, fundamentando preceitos religiosos e consequentemente, norteando a vida das pessoas.

As principais divisórias explicativas sobre o Amor, temos em palavras de origem grega, como Eros, Fília e Ágape, sendo esta última, mais ligada à concepção religiosa. Eros, representando o amor sexual, Fília, à amizade e o amor Ágape, ligado ao amor espiritual.

Eros, representado como Deus Grego, menino belo e travesso, que usando seu arco e flecha, arraigava paixões nos seres humanos, se divertindo com as situações a qual criava aos apaixonados, comparado à figura mitológica adotada pelos romanos, conhecido como Cupido.

O amor Eros, é mais um amor de relações, de contatos ou mesmo perversão. Pode ser representado também como complementação do homem e da mulher, ou seja, 
  • É ele que atualiza as virtualidades do ser, mas essa passagem ao ato só se concretiza mediante o contato com o outro (...) com uma entrega total, um dom recíproco e generoso, que fará com que cada um seja mais, ao mesmo tempo em que ambos se tornam eles mesmos³.

Portanto, esta entrega corporal, no que se refere ao amor Eros, transcende única e exclusiva a questão do ato sexual, a cópula, mas aproxima por um momento o próprio ser, unindo os diferentes por um instante, que segundo a visão platônica, está ligada à questão do corpo, do momento ou mesmo da emoção ou conjunção da carne.

É um amor mais solto, menos responsável e mais ligado à satisfação, sem a preocupação de retribuição de prazer, pois entende-se que o outro, com a realização do ato, já sentirá esta sensação.

Ainda nesta condição, poderia ser o amor que condicionaria, segundo Platão, a relação entre os gêneros humanos e os deuses, pois segundo ele:
  • Sempre que o desejo irracional vence o sentimento que nos leva para o bem e se dirige para o prazer despertado pela beleza, vindo a ser reforçado pelos desejos da mesma família, que só visam à beleza física e se torna pendor irresistível, e conclui que dessa própria força heroica tira o nome de Eros, ou de Amor⁴.

Na prática, este pensamento platônico soava discordante com o pensamento socrático, que defendia que aquele que se deixava levar pelas paixões, se tornava escravo dos desejos, perdendo a racionalidade em busca do prazer. A reação sentida e a falta de sentimento contínuo diferenciam-se do que defende o Amor Fília, mais precisamente, a partir da defesa de Aristóteles, que fala das relações a partir da amizade.

Segundo ele, o amor Fília na sua plenitude se apresenta no gênero humano, quando as relações humanas se apresentam da forma em que:
  • A amizade perfeita é a dos homens que são bons e afins na virtude, pois esses desejam igualmente bem um ao outro enquanto bons, e são bons em si mesmos. Ora, os que desejam bem aos seus amigos por eles mesmos são os verdadeiramente amigos, porque o fazem em razão da sua própria natureza e não acidentalmente. Por isso sua amizade dura enquanto são bons – e a bondade é uma coisa muito durável. E cada um é bom em si mesmo e para o seu amigo, pois os bons são bons em absoluto e úteis um ao outro. E da mesma forma são agradáveis, porquanto os bons o são tanto em si mesmos como um para o outro⁵.

Embora Aristóteles nos apresente este tipo de relação e amor, também defende a dificuldade de se cultivar este tipo de relação, uma vez que para ser efetivada, necessita-se de familiaridade, cumplicidade, mas acima de tudo, convivência e tempo, o que na maioria das sociedades, não se acha.
Na sua complexidade, a cumplicidade e a reciprocidade pode ser caracterizada como a marca principal do amor Fília, ou seja, contrapondo ao amor Eros, não é uma “simples flechada” que marcará o início de uma relação, mas sim o convívio, as provas e acima de tudo a aceitação e complementação do outro. Aristóteles complementa seu pensamento, dizendo que “o homem sumamente feliz necessitará de amigos” , e isso, às vezes para ser conquistado, poderá ser necessário toda uma vida.

Por fim, o amor Ágape está mais direcionado aos ideais cristãos, e vem sendo defendido e trabalhado já no Novo Testamento, tanto por Jesus em suas falas, como por Paulo em suas epístolas. Podemos também, fazer uma referência aos preceitos defendidos por este apóstolo, sob influência do pensamento aristotélico, mas que diferencia o amor Eros e Fília do amor Ágape, quando coloca a entrega do ser, como uma dádiva divina e a aceitação da presença do Espirito Santo, como transformadora da vida, do ser, vivendo em comunidade, sentindo o outro como irmão e a felicidade em pertencer ao meio.

Vivendo este meio, dividindo a própria vida como forma de doação, se manifesta o amor Ágape. Para o cristianismo, o amor se revela ou se manifesta, com a ideia de que:
  • "Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada⁷." 

Assim, relações sexuais, pertencimento e comunhão, bem como a caridade, são princípios norteadores dos três tipos de amor acima descritos, que sozinhos, podem explicar o que é o amor a partir de suas vertentes, mas que sendo posto juntos, traduzem de forma mais concisa a tradução deste sentimento, que como tal, deve ser vivido e sentido, cada ser com suas formas, suas apropriações e seus efeito, pois parafraseando Roberto Freire, médico e escritor brasileiro, “quem começa a entender o amor, e explica-lo, a qualifica-lo, e quantifica-lo, já não esta amando”.

No mundo moderno , muita se fala, pouco se vive o que o cristianismo ou mesmo a Filosofia pregam ou pregaram sobre o amor. Vivendo esta sociedade do momento, buscando a felicidade em pequenas coisas, na maioria das vezes, sem fundamentação ideológica ou sentimental, o amor tornou-se mais discurso do que realidade, pois o individualismo impera, fruto principalmente desta modernidade liquida , onde tudo se esvai, como defende Bauman.

Assim, o que temos em maior referência, é que nossa sociedade valoriza e muito a arte do sexo, sendo que esta, na forma como se manifesta na atualidade, serve como válvula de neutralização das paixões, dos sentimentos, das emoções. Banaliza-se as relações em detrimento de um momento, onde o Deus Eros se envolve no cotidiano e manifesta suas traquinagens, brincando com as pessoas e sorrindo das consequências, pois na modernidade e na forma como o amor e o sexo se relacionam, o prazer, o envolvimento carnal e a própria luxúria, aproximam corpos, mas distanciam corações.

Nestas condições, o sexo neutraliza o próprio amor, pois não se apresenta mais como complemento, mas como o êxtase das relações, fortalecida por esta necessidade que o gênero humano moderno tem de chegar ao fim das intenções, sem se preocupar com os entremeios do caminho, ou seja, conseguir a realização do ato sexual, apresenta-se como um troféu de disputa, esquecendo-se da questão sentimental.

Não obstante, o ato sexual com a exposição do corpo e exploração deste, com o distanciamento da questão sentimental, quebra tabus e tradições, fortalecendo ainda mais o distanciamento das pessoas, no que se refere ao amor Fília, pois como nos assinala Milan,
  • Sexo, uma prova requerida e temida. Não pode ela, obrigando a expor o corpo, desmentir irremediavelmente o amor? Daí ser adiada, a inibição que a precede, a vergonha dos genitais, partes pudendas — que o pudor deve recatar — ou, na forma arcaica, vergonhas simplesmente¹⁰.

Ou seja, desta forma, na arte do sexo etapas de convivência, de conhecimento e acima de tudo, de consentimento e confiança com respeito e expectativas, além de divisão de sentimentos, são colocadas em segundo plano, pois o que vigora, é o prazer imediato, ou como defende a autora, o tabu sexual, o ato ou entrega, principalmente do sexo feminino, apresenta-se como uma prova de convivência que transcende as fases de conhecimento do corpo, a depender da faixa etária dos componentes da ação sexual.

A arte da conquista, o encanto das fases e da sedução na sociedade moderna não é mais tão vivido. Mesmo a ânsia do perigo, da incerteza e os riscos que a conquista apresentam, o que antes criava expectativa e motivação, estão perdendo o encanto. 

No espetáculo da conquista, as manifestações de desejo tanto masculino como feminino, se apresentam na mitologia grega e perpassam por toda a história. A Sereia, personagem emblemático, extremamente sensual, com ar confiante e atraente, ataca suas vítimas masculinas com uma música encantadora, enfeitiçando-os, provocando-os e por último, fazendo-os padecer asfixiado, mergulhando-os no oceano, afogando-os. Mas o homem sabia desta possibilidade quase real, entretanto, o risco o atraía, a fantasia o fascinara e a possibilidade de driblar a intenção da sereia, o fazia aventurar-se nesta aventura.

Estes riscos que tanto encantaram os homens, na conjuntura da liberdade sexual e a possibilidade de consumação do fato, fizeram desaparecer sensações e sentimentos antes vivenciados, como a arte da conquista. O pudor, os riscos ou mesmo a insegurança, tornaram o gênero humano frio à questão sexual, pois ao ato, poucos elementos anteveem a consumação, quebrando barreiras e tornando o ato sexual mais seguro, no que se refere aos riscos da rejeição.

Esta sensação que está ligada ao processo de aproximação, que pode se apresentar inclusive de forma ilusória, aumentando as distâncias, mas aproximando os desejos, fortalecendo os laços que antecedem ou deveriam anteceder a arte do ato sexual.

Portanto, frustrações, desencantos e desilusões fazem parte do cotidiano da arte da conquista, como também fazem parte as alegrias e os encantamentos quando esta se consuma, evidenciando assim, que o amor se faz a partir das relações com todas as suas vicissitudes e características, percorrendo o que a mitologia grega distinguiu principalmente nas três fases ou pontos: Amor Eros, Fília e Ágape.

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1 Professor e Historiador. E-mail: iramarmiranda@hotmail.com
2 MILAN, Betty. O que é amor. São Paulo, Brasiliense: 1983. p. 20
3 BRANDÃO, J. S. Mitologia Grega I. Petrópolis: Vozes,1996. pp. 189-190
4 PLATÃO. Diálogos. O Banquete. In: Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1972. p. 238
5 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In: Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1984.p. 181
6 Idem, p. 210
7 https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/i-corintios/13/
8CHESNEAUX, Jean. Modernidade-Mundo. Petrópolis: Vozes, 1995
9 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
10 MILAN, Betty. O que é amor. São Paulo, Brasiliense: 1983. p. 26
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Sobre Dr Rárisson Ramon

Rárisson Ramon, de Ipu - CE de nascimento e criação, é acadêmico de direito, faz participações em rádio e é blogueiro.
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