O importante é cantar selvagem, mas “no mais alto trono do mundo, o homem se senta sobre o traseiro”


Antonio Iramar Miranda Barros 
Professor e Historiador 
iramarmiranda@hotmail.com 

Em momentos extremos e entrando em estado de introspecção, tendemos a analisar nosso meio, observar o que nos cerca e criar possibilidades de fuga, notadamente, daquilo que nos aflige. Percebemos que, sendo a sociedade dividida por jogos de interesses, nem sempre nos encontramos em zonas tranquilas, de conforto, onde nossos atos e pensamentos podem contradizer uma maioria construída em cima de ideologias, que não necessariamente estará disposta a aceitar nossos pontos de vista. 

Como animais, porém utilitários da razão (atuais atos não me deixam tanta certeza), nos agrupamos e nos firmamos em espaços que formam verdadeiras tribos, com dialetos, culturas, pensamentos e defesas próprias. Nos mais longínquos rincões, unindo as diferentes características de cada povo, somos reconhecidos como irmãos e assim, com demasiadas cores, crenças, etc., formamos uma pátria, uma nação... a nação brasileira!!! 

Essa nação diversificada e organizada de acordo com suas conveniências tem em seu povo o maior patrimônio, e a partir dele, é classificada por aqueles que os observam, os outsiders, analisando os ritos, signos e identidades, construindo assim, uma representação social daquele espaço, daquela gente, portanto, de diferentes formas, toda nação é vigiada. 

Essa sensação panóptica, tende a moldar nossos atos, ações, que faz com que por vezes nos tornemos individualistas, querendo nos mostrar como seres superiores ou melhores socialmente, representados por roupas caras, carros potentes, corpo malhado ou até pela arrogância no trato com as palavras, diminuindo o outro e não aceitando o contraditório de nossas falas. Conquanto, essas manifestações de exclusão tendem a se tornar mais claras, quando os assuntos discutidos estão ligados à crenças e defesas, como exemplo, em discussões politicas, religiosas ou esportivas. 

Na atual conjuntura, o que percebemos é a disputa de forças de diferentes pessoas (e não grupos), representadas em discursos extremistas, o que nos leva a refletir sobre os caminhos que nos levaram a essa realidade, como também o que nos espera em um futuro próximo. Discursos de ódio, ataques diretos a pessoas, segregação social, assim como esquecimento de valores em prol de um projeto claro de exclusão, são manifestações que hoje se apresentam de forma direta e cotidiana, assim como retaliações pessoais e agressões, partindo de pessoas (que agora representam grupos) sobre todo aquele que manifesta discordância. A luta do “bem contra o mal” foi declarada, e a questão é... todos se acham do bem e responsáveis pela salvação da nação, apresentando reações que demonstram maldade e insensibilidade, na defesa de seus posicionamentos sociais, políticos, econômicos, etc. 

Anônimos e artistas surgiram e surgem a todo instante, gritando aos ventos ou escrevendo em caixa alta, palavras de ordem em prol da moralidade e a busca pela manutenção dos bons costumes, esquecendo que na atual sociedade, estamos vigiados em nossas ações e, portanto, não temos mais a prerrogativa do discurso sem o exemplo, pois tudo é registrado e pode ser usado contra ou a favor a bem da vontade. 

“Mas o importante é cantar selvagem”. Viver o momento e se destacar em grupos, saindo do anonimato com discursos prontos e aceitos, falando o que o outro quer ouvir, sem criticas, sem análises, sem contra falas, mas aparecendo, se destacando ao menos por um instante. 

O ser humano no alto de sua ignorância está perdendo a capacidade do diálogo presente, e a organização em grupos de pessoas, base de nosso desenvolvimento histórico, está tomando outro sentido. Os grupos agora são virtuais e as conversas são direcionadas, com grupos da família (recatados), grupos de amigos selecionados (libertinagem), grupo de trabalho (comedido), enfim, grupos demasiados, onde a relação entre os participantes tem um grau de sensibilidades e liberdades, de acordo com a categoria dos participantes. 

“Cantando selvagem”, nos distanciamos do pensamento de Pascal, quando ele dizia que vivíamos em uma sociedade de loucos, e não ser louco também era uma forma de loucura. Mas por quê? Ora, a loucura pascalina era retratada em uma sociedade natural, e na forma como vemos, o que se percebe, é que a própria naturalidade do gênero humano perdeu sua essência, sua característica principal. A evolução humana tendeu para o lado do egoísmo, da possessão, e assim, da forma como virtualmente nos agrupamos, e já descrito, não podemos mais ser reconhecidos em nossas “tribos” a partir de um imaginário coletivo, pois não nos mostramos mais como nós mesmos, mas sim, de acordo com o grupo virtual a qual no momento manifestamos nossos pensamentos. 

Vamos “cantando selvagem” em todos os grupos, em todos os momentos, fugindo de nós, criando uma imagem retalhada do que deveras somos e pensamos, portanto, tentando nos apresentar em destaque nas diferentes discussões, assumindo uma figura frankensteiniana, surgida a partir do nosso desejo de destaque social em todos os grupos, “cantando selvagem”, gritando forte, assumindo a condição de mando, mesmo que seja sem respaldo técnico, sem controle sobre nossos atos e defesas. 

Montaigne nos orienta, quando direcionamos seu pensamento para a forma como grande parte da sociedade está vivenciando suas relações, na forma como apresentado. A necessidade de ser visto socialmente, destacando-se em forma de ostentação, mas com vazio intelectual, apresentando discursos de ódio como salvação, como também palavras de ordem num contexto geral, sem respeito às diferenças, ao contraditório, numa sociedade que vive de momentos, pode até dar certo por um instante, preenchendo vazios existenciais, entretanto, como bem disse, por mais que exteriormente nos mostremos limpos e puros, estamos sentados sobre nossos próprios excrementos, e é apenas isso que nos tornamos, a partir da forma como demonstramos nossos atos, como nos relacionamos em sociedade. 

Ipu-CE, 07 de novembro de 2018
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Sobre Dr Rárisson Ramon

Rárisson Ramon, de Ipu - CE de nascimento e criação, é acadêmico de direito, faz participações em rádio e é blogueiro.
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