Coluna Dr Nadson Júnior: Entendendo o seu Direito


Pode o agente público de combate a endemias ingressar na propriedade particular mesmo sem autorização do proprietário/morador?

“Temos que acostumar-nos com duas coisas, sob pena de considerar intolerável a vida; as injúrias do tempo e as injustiças dos homens”. 

S. Chamfort.

Entendendo o Problema.

Atualmente, o Brasil vive um surto de Dengue, Chikungunya, e o Zika Vírus, todas essas doenças são transmitidas por um mosquito denominado de Aedes aegyptie. Vivemos um verdadeiro caso de grave problema de saúde pública.

Sabemos todos que o mosquito Aedes aegyptie coloca seus ovos em locais onde existam reservatórios de água parada. Esses reservatórios são exemplos, pneus velhos, garrafas vazias, piscinas cuja água não é constantemente limpa, todos servem como depósitos de ovos do mosquito.

Com o intuito de combater o mosquito transmissor, os governos Federal, Estadual e Municipal, mobilizaram agentes públicos para a realização de visitas à comunidade para vistoriar os imóveis com a finalidade de tentar encontrar e eliminar eventuais focos do mosquito e realizar medidas de prevenção.

Ocorre que os agentes de endemias tiveram muitas dificuldades ao encontrarem imóveis aparentemente abandonados, e com as portas fechadas, como também, a impossibilidade de ingressar no imóvel pelo fato dos moradores não estarem em casa no momento da visita, inibindo, dessa forma, o trabalho de combate ao mosquito Aedes aegyptie.

1-Diante dessa situação, qual a medida realizada pelo Governo Federal?

Com o objetivo de solucionar essa questão, e visando a proteção à saúde e a vida das pessoas, a Presidente da República, editou uma medida provisória 712/2016, autorizando os agentes públicos a ingressarem em imóveis, privados ou públicos, em determinadas situações, para a realização do combate e a execução de medidas contra o mosquito Aedes aegyptie.

Segundo dados oficiais, desde de que a campanha de combate ao mosquito transmissor se iniciou, já com os primeiros caso de Zika Vírus, os agentes de saúde já encontraram 2.7 milhões de residências fechadas ao realizarem as visitas. 

2-Em quais situações a MP 712/2016 permite o ingresso forçado dos agentes?

Foi previsto duas situações excepcionais, temporárias e pontuais, em que se autoriza o ingresso forçado dos agentes em imóveis.

A primeira situação é quando o imóvel for caracterizado como imóvel ABANDONADO, isto é, o imóvel apresenta-se em situação de abandono, quando é perceptível que ninguém o habita ou o utiliza há bastante tempo, quando há algum tipo de deterioração, como imóvel sem janelas, ou faltando parte do teto, ou mesmo o crescimento abusivo do mato, ou até mesmo pelo relato dos moradores próximos ao imóvel, por exemplo.

A segunda situação que autoriza o ingresso forçado ocorre quando não for encontrado o morador/proprietário ou qualquer pessoa que permita o acesso ao imóvel. Porém, neste caso, é preciso que o agente tenha visitado o local, na tentativa de localizar o morador do imóvel, em pelo menos duas vezes, em dias alternados, em horários diferentes, no intervalo mínimo de 10 dias entre as visitas, ele deixará uma notificação, informando que esteve no local, com a finalidade que o morador saiba da necessidade de ingresso na sua residência pelos agentes de endemias. Mesmo após a realização de todo o procedimento exigido, não encontrando ninguém que possa lhe autoriza o ingresso no imóvel, neste caso, a MP 712/2016 permite o ingresso forçado, sem haver mais a necessidade de autorização do morador.

3-E caso o morador negue expressamente a entrada dos agentes públicos de combate a endemias no seu imóvel? Mesmo assim, eles podem ingressar no imóvel de forma forçada?

Não. A nossa Constituição Federal afirma em seu artigo 5°, inciso XI, que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial. Agora, a MP 712/2016 criou mais duas situações onde pode haver o ingresso no imóvel sem que haja necessidade de autorização do morador, seja quando a casa estiver caracterizada como abandonada ou quando não possa ser localizado seu morador, em ambas as situações, o ingresso se restringem aos agentes que combatem a epidemia. Se o morador estiver presente e negar a entrada dos agentes, eles não podem ingressar de forma forçada no imóvel, correndo o risco de estarem cometendo abuso e o crime de violação de domicílio, previsto no artigo 150 do Código Penal.

Neste caso, é necessário uma ordem judicial para o ingresso no imóvel pelos agentes.

4-Caso os agentes ingresse no imóvel que esteja abandonado ou com o proprietário ausente, conforme MP 712/2016, quais medidas devem ser observadas pelos agentes?

O agente deve fazer um relatório circunstanciado, explicando o motivo que o autorizou a ingressar forçadamente no imóvel, seja em caso de abandono, ou pela impossibilidade de localizar o morador. Deve também constar no relatório, quais medidas foram adotadas no local para combater o mosquito transmissor e qual medida utilizada para a eliminação de focos e vetores, como a limpeza do local, e a cobertura da caixa da água, por exemplo.

Como também se a integridade do imóvel foi preservada, uma vez que o ingresso forçado no imóvel não autoriza ao agente a possibilidade de causar danos ao imóvel alheio, e uma vez que cause, o proprietário deverá ser indenizado.

5-Outros agentes públicos, que não sejam de combate a endemias, podem também ingressarem de forma forçada nos imóveis?

Não. Nenhum agente público, ou qualquer pessoa, pode ingressar no imóvel, sem o consentimento do morador, por força do artigo 5°, inciso XI da Constituição que garante a inviolabilidade do domicílio, salvo nos casos de exceção que a própria norma também expressa, no caso flagrante delito, desastre, para prestar socorro, ou mediante autorização judicial. No caso, a MP 712/2016 cria novas situações excepcionais, temporárias, pontuais e específicas, de ingresso em imóvel, sem que haja necessidade de autorização, mas que se restringe aos agentes que combatem a epidemia, e em casos muito específicos de imóveis abandonados ou quando não for possível localizar o morador do imóvel, somente nesses casos. 

6-Acaso seja encontrado algum foco de mosquito na residência, o morador poderá sofre punição?

Não. O proprietário/morador não receberá nenhum tipo de punição por isso, havendo apenas a limpeza do local e a eliminação de eventuais criadouros do mosquito, com a colocação de tampas e lonas, quando necessário. Como também não haverá a retirada de qualquer bem da residência. De todo modo, não haverá ofensa ao direito de propriedade.


OBS: Não discorremos aqui sobre se a MP é ou não constitucional, por se entender que não há necessidade aqui de ingressarmos neste mérito, tendo em vista que a função do artigo é apenas de informar e esclarecer.


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Dr. Nadson Rocha Aguiar Júnior (OAB-CE 27.986) é colunista do Blog Expresso Ipu e escreve quinzenalmente assuntos inerentes a questões jurídicas de relevante interesse à sociedade.


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Sobre Dr Rárisson Ramon

Rárisson Ramon, de Ipu - CE de nascimento e criação, é acadêmico de direito, faz participações em rádio e é blogueiro.
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